17 de agosto de 2016

Diário de Bordo

Muitas pessoas avaliam o sucesso pelo número de dígitos na conta bancária, pelo número de citações do lattes, pelo tipo de carro que dirige ou pelo status que adquirem. E se falando em medicina é muito fácil encontrar disseminado "esse parâmetro" de sucesso. Às vezes acho que sou um ponto fora da curva de gaus. Confesso que durante décadas compartilhei essa definição para classificar alguém como bem sucedido. Hoje, ainda bem, não mais. 
As pessoas que são próximas a mim sabem que a medicina sempre foi um norte na minha vida, o sonho a ser alcançado. Quando pequena sempre me imaginei uma super especialista, dirigindo O carro do ano, chefe de alguma coisa, uma enfermaria, um departamento. A vida acabou me ensinando, da forma mais dura, que isso não era sinônimo de felicidade para mim. E como vivo com a finalidade de ser feliz tive de reformular os meus parâmetros e conceitos. Descobri que sucesso para mim não tem valor monetário. Não se compra. Não se vende. São emoções e lembranças de situações vividas. São momentos que se eternizam no meu coração. Que me inspiram e me motivam a continuar. Que me fazem entender que vale e valeu a pena lutar.

É aquele aluno que ao final de um semestre, no último momento fala que passou a ver a MFC de uma maneira diferente, que ela tornou-se uma possibilidade de futuro para ele. E confesso a ele, que para mim, instantes como esses valem muito mais que publicações no lattes. Me motivam, me inspiram a continuar, a dar o meu melhor mesmo com os obstáculos.
É aquela senhora de 86 anos que diz em uma manhã de agenda lotada que veio só me ver, me dar um xêro, e me dizer que voltou a fazer sexo. E que como os tempos são outros quer saber como se previnir e se cuidar. E ao final quando questionada de suas dores me revela sorrindo que depois do sexo elas passaram.
É aquela mulher que ao saber que emendei o ambulatório da manhã com o da tarde, e que portanto, não almocei. Ao sair da consulta vai em casa faz um bolo de cenoura com cobertura de chocolate e me leva um imenso pedaço. E ainda me diz Doutora fiquei preocupada com a senhora, fiz um bolinho. Espero que goste. Confesso, não gostei, AMEI. Não foi apenas um bolo, foi um ato de cuidar, um ato de amor em um mundo tão dolorido.
É aquela criança que chora ao ver uma bata, mas que quando sou eu que estou vestida de bata/jaleco ela corre para me abraçar e me dizer que trouxe flores para amiguinha(eu).
É o momento em que eu vejo uma criança que escutei o coração ainda na barriga da mãe entrar correndo no meu consultório.
É mãe que depois de 5 minutos gastos conversando sobre a importância do aleitamento materno exclusivo volta fazê-lo para o seu filho.
É usuário de drogas que chora na minha sala dizendo que quer parar mas não sabe como, e a gente passa quase uma hora para entender a posição da droga na vida dele. E que ao final, após esclarecermos as diferenças entre nossas expectativas e a realidade, Combinamos que quando/se ele voltar a usar drogas ele não vai me esconder, não terá vergonha de me falar, e que iremos novamente caminharmos pelo velho caminho. Estarei ali para ajudá-lo, e não para julgá-lo. E ele volta dizendo que se drogou. E eu fico feliz pq ele voltou. Consegui vincular.
É a gestante que perdeu o filho, que me perguntava coisas que eu não sabia a resposta, que chorou e sofreu. E que em muitos, inúmeros momentos eu só me sentei perto dela, ouvi seu choro, compartilhei o seu pesar. E ao final dessa jornada ele me trás chocolate... Simplesmente pq eu estava lá.
São os abraços ganhos de surpresa ao caminhar pelas ruas da comunidade.
É perceber que aqueles equipamentos, insumos necessários, que você pede há anos, demoram mas começam a chegar. Fruto do esforço coletivo de pessoas que acreditam que APS é o caminho para saúde melhorar.
Hoje vivi mais um desses momentos, hoje meu olho se encheu de lágrima, meu peito retumbou, e as palavras pareciam fugir. Como habitual questionei uma das "minhas" buchudinhas/gestante qual seria o nome da pequena que ela estava a esperar, e ela meio envergonhada, sem jeito falou que ainda estava por se confirmar, mas que se cogitava fazê-la minha xará como uma forma de me homenagear. Não sei qual nome será escolhido, mas só pela cogitação dessa possibilidade, sinto uma alegria, uma felicidade que não dá pra calcular.

Tais gestos não têm preços, mas estão todos guardados dentro meu peito, e são como faróis a iluminar as noites escuras, os dias difíceis, os obstáculos diários que precisamos superar.
Ser MFC foi uma das melhores escolhas da minha vida. Há dias e momentos que penso em jogar tudo para o alto. Virar hippie. E há momentos como o de hoje que me mostram pelo que vale a pena lutar.

#amoremcuidar #MFC #Eucuidodelesenquantoelescuidamdemim #amooqueufaço #gratidão

Gostou? Então compartilhe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário